O livro das semelhanças
O livro das semelhanças, obra de uma das mais aclamadas poetas brasileiras contemporâneas, é um acontecimento raro em nossa cena literária. "Houve um tempo em que se usava/ nos livros/ papel de seda para separar/ as palavras e as imagens." Tais versos, como muitos outros deste O livro das semelhanças, expõem com o wit e a delicadeza característicos da autora esse tatear entre as palavras e as coisas. Em outro poema, significativamente intitulado "Não sei fazer poemas sobre gatos", a autora admite - com graça e um certo veneno - que as palavras "soltam-se ou/ saltam/ não capturam do gato/ nem a cauda", para depois concluir, com autoironia devastadora: "sobre a mesa/ quieta e quente/ a folha recém-impressa/ página branca com manchas negras:/ eis o meu poema sobre gatos". Pois graças a esses e a outros textos, esta nova reunião dos poemas de Ana Martins Marques parece ser a culminação de um dos caminhos mais relevantes da lírica brasileira dos últimos anos. Estão aqui, com uma força que já podia ser antecipada em seus livros anteriores, peças que versam, sobretudo, a respeito da tentativa - sempre temerária, mas também desafiadora - de recuperar o mundo e as coisas por meio da palavra. Porém a autora sabe que vivemos tempos fraturados, em que experimentamos aquilo que poderia ser nomeado como uma certa falência da mimese, pois traduzir o real literariamente é deparar com o abismo que se interpõe entre o mundo sensível e a folha em branco. E Ana desconfia do quanto isso tem de frágil, de problemático - e de igualmente fascinante. Dividido em quatro seções ("Livro", "Cartografias", "Visitas ao lugar-comum" e "O livro das semelhanças"), esta obra desperta o leitor para o prazer sempre iluminador e sensível de uma das vozes mais originais da poesia brasileira. Do amor à percepção de que há um espaço - geográfico, quase - para o lugar-comum, do entendimento da precariedade do nosso tempo no mundo à graça (mineira, matreira) proporcionada pela memória: eis uma poeta que nos fala diretamente. Ou, como diz em um de seus versos: "Ainda que não te fossem dedicadas/ todas as palavras nos livros/ pareciam escritas para você".