Bohumil Hrabal

Ludmila Dismanová

Mário Gomes

Uma solidão demasiado ruidosa

Nelson Zagalo

Foi a minha primeira leitura de Hrabal, confesso que ia com muitas expectativas pelas várias resenhas que fui lendo no Goodreads que muito me inspiraram, tanto que comprei dois livros dele de uma vez. Às primeiras páginas perdi-me, senti que me teria enganado, que não era aquilo, que tinha voltado a cair no encantamento do realismo mágico, com que vou tendo dificuldade em lidar. Mas à medida que o livro foi progredindo e Hrabal se foi abrindo, o mundo foi ganhando contornos mais claros, mais reais, a ponto de no final me impactar brutalmente.

Na primeira parte temos Hanta que passou uma vida a prensar livros em blocos de papel, e a paisagem do que se apresenta é-nos dada através da imensidade de citações e autores dos livros que vai guardando para si, até que não lhe resta mais espaço em casa onde guardar tanto livro. Percebo que isto encante muitos dos bibliófilos, mas no meu caso senti uma certa repetição de argumentos, esta tentativa de colar a narrativa aos hábitos dos leitores e aos sonhos destes.

Na segunda parte o livro ganha todo um novo fôlego, introduzido e apresentado Hanta, passamos à sua realidade no presente, e a ver o que o espera no final de uma vida a fazer um trabalho que ama mais do que tudo, e que é toda a sua razão de viver. E é aqui que o livro ganha força, para mim ainda mais, porque tratando-se da década de 1970, tudo o que ali se discute é tão igual ao que se discute hoje. Os empregos, as tecnologias, as novas gerações, e o medo de perdermos o barco, de sermos esquecidos e atirados para uma prateleira. Esta é uma luta que se evidenciou brutalmente com a Revolução Industrial há mais de 200 anos, e desde então não mostrou qualquer sinal de abrandamento. 

A escrita de Hrabal segue de perto toda a modelação emocional da obra, já que começa de forma bastante regular e vai-se adensando com frases cada vez mais longas, caracterizações mais detalhadas e complexas, ritmando as ideias que são atiradas a velocidades cada vez mais intensas, até atingir o clímax final. Existe um virtuosismo na reta final que nos agarra e mantém colados à leitura, que é fruto do que se diz, mas muito do como se diz.

Uma solidão demasiado ruidosa

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