Ian McEwan

Expiação

Nelson Zagalo

Talvez o melhor do livro seja a sua componente meta, ou seja, o facto de McEwan realizar a análise dos processos de escrita por via de uma personagem (Briony), e também por via desta, mais perto do final, realizar uma crítica, algo contundente, ao próprio livro que escreveu, à sua própria estrutura e escolhas narrativas. Isto acaba por fusionar muito bem com o facto da estrutura ser apenas aparentemente simples, já que a história não tem nenhum protagonista, antes funciona como uma rede distribuída de vozes (personagens), que novamente num plano quase-meta oferecem múltiplas perspetivas de uma mesma realidade, permitindo a confrontação de factos que servem o questionamento dessa tal suposta realidade. 

Por outro lado, a desfocagem de personagens acaba por retirar enfase emocional, tudo se torna fragmentado, tudo pode ser preto e branco em simultâneo, tudo pode ter valor e valor nenhum, dependendo de quem está a recitar o mundo. Do lado da minha experiência do romance, julgo que McEwan falha no alinhamento das vozes, e no espaço que oferece a cada uma. Porque aquilo que cada uma vai dizendo nunca chega a ser suficiente para nos levar a criar uma relação enraizada com nenhum dos personagens. Por outro lado, o grande conflito do romance, parece não passar de um mero acidente, com impacto muito delimitado, quase mesmo injustificando a autorrecriminação da autora do conflito. 

Claramente que McEwan não estava interessado em focar-se no conflito, não tencionava escrever apenas um romance de intrigas familiares, com penas e castigos. Todo esse enquadramento é apenas um móbil para lançar o experimentalismo estético-narrativo que apresenta, o problema é que se é interessante, é-o apenas pela novidade, já que esse mesmo aparato não chega nunca a elevar-se acima do potencial da própria história. Existem momentos de boa escrita, descrições de espaços e sequências narrativas, mas quando essas parecem estar a assumir o centro do nosso interesse, logo a perspetiva é alterada e tudo se perde.

Foi o meu segundo livro do autor, depois de “A Criança no Tempo”, ambos os livros premiados e imensamente reconhecidos, mas ambos se mantiveram distantes. Não creio que volte a repetir este autor.

Expiação

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