Ler Pessoa

Ler Pessoa

Um guia de leitura de Fernando Pessoa, por um dos grandes especialistas da obra do escritor português Para alguns pesquisadores e críticos, Fernando Pessoa tinha uma unidade psíquica básica: ele era o próprio sol de um universo. Para outros, ele nem existiu – era um vácuo, um corpo desencarnado estourado em mil sujeitos. Para um terceiro grupo de leitores pessoanos, o autor português foi, na verdade, um dramaturgo múltiplo. Essa abundância de metáforas para tentar apreender o fenômeno Fernando Pessoa, este autor fundamental do século 20, é uma prova do enigma que ele deixou após sua morte: como entender um escritor de tantas facetas que, em vida, publicou apenas um livro e alguns textos esparsos? Jerónimo Pizarro, grande especialista na obra pessoana e coordenador da Coleção Fernando Pessoa da Tinta-da-China Brasil, propõe que ler Pessoa é esmiuçar a construção de Fernando Pessoa, por ele mesmo e pelos outros que vieram depois. Em um ensaio claro, pontuado de histórias, exemplos e imagens de manuscritos, Pizrro apresenta os principais conceitos em torno do escritor português – como os heterônimos que ele criou ao longo da vida e o processo de descobrimento e publicação dos textos que Pessoa deixou guardados em um baú, ao morrer. Além de compartilhar as reflexões dos críticos, Pizarro recorre aos próprios textos de Pessoa para traçar um passeio pela obra do português. Ele conta a história da elaboração dos heterônimos e explica esse conceito, dedicando um capítulo a cada um dos heterônimos – Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. O capítulo dedicado a Caeiro trata do célebre “dia triunfal” em que Pessoa teria escrito, de pé, na frente de uma cômoda, “trinta e tanto poemas a fio, numa espécie de êxtase”, criando assim os heterônimos. Esse mito é revisto à luz do que o arquivo pessoano revela: “Nesse dia triunfal, que talvez tenha durado um mês, mas que Pessoa, retrospectivamente, converteu num só dia, surgiram primeiro Caeiro, depois Reis e, por último, Campos. Na ficção tudo foi veloz e semelhante a uma série sucessiva de epifanias; a realidade revelada pelo arquivo, no trabalho que revelam os manuscritos, Caeiro, Reis e Campos tiveram uma gestação relativamente lenta, pois surgiram primeiro alguns poemas anónimos e só depois se foram esboçando – na mente de Pessoa – os seus possíveis autores, com os nomes e os dados biográficos que hoje conhecemos.” O Livro do desassossego – cuja segunda edição, por Jerónimo Pizarro, a Tinta-da-China Brasil acaba de publicar – é o exemplo culminante de uma obra para qual não existe uma edição “definitiva”. Pizarro explica a própria composição do livro, que ficou em suspenso durante dez anos: esse livro “único, cativante, indispensável, que simultaneamente retrata [Bernardo] Soares e Lisboa, Lisboa e Soares, e ao fazê-lo nos permite conjeturar acerca de Pessoa”.
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Bruno Costa Teixeira@brunoctxa
4 stars
May 5, 2024