O tráfico de migrantes em Portugal

O tráfico de migrantes em Portugal Perspectivas Sociológicas, Jurídicas e Políticas

Este projecto incidiu sobre uma área que não tem sido objecto de tratamento sistemático em Portugal. Nos termos do concurso de financiamento, as principais realidades sob observação foram o tráfico de mão-de-obra, o tráfico de mulheres e o tráfico de crianças (embora muito pouca informação tenha sido encontrada sobre este último tema). A perspectiva utilizada foi a da imigração de cidadãos estrangeiros, não tendo sido objecto de estudo outros movimentos, nomeadamente os que envolvem a saída de portugueses. As actividades de pesquisa realizadas foram diversas. Numa primeira fase, foi efectuado um levantamento dos principais conceitos, teorias e estudos empíricos nesta área. Foram revistos os principais contributos disponíveis para a compreensão do tráfico de mão-de-obra, tráfico de mulheres envolvidas em redes de exploração sexual e tráfico de crianças no mundo contemporâneo, a par de algumas recomendações políticas. Foram privilegiadas as referências internacionais, uma vez que o tema não foi ainda objecto de estudo sistemático em Portugal. No plano teórico, foi enfatizada a diferença entre as noções de trafficking (ou “tráfico” em sentido estrito) e smuggling (“contrabando” de migrantes ou auxílio à imigração ilegal, que podemos incluir numa noção ampla de tráfico). Posteriormente, foi realizado o enquadramento legislativo actualmente existente, tanto a nível nacional, como comunitário (União Europeia) e internacional. Com um objectivo exploratório, foi ainda elaborada uma análise de imprensa sobre o tráfico em Portugal. O facto de o fenómeno ser recente e ter sido objecto de escasso tratamento científico tornou crucial a revisão do contributo dos meios de comunicação social. Na fase seguinte, foram recolhidos dados originais. Dado o pouco tempo disponível para a execução deste projecto – um ano – e os contornos ilegais do fenómeno, as escolhas metodológicas disponíveis eram limitadas. No nosso caso, foi sobretudo privilegiada uma aproximação “indirecta”, consultando instituições relacionadas com o tema, em lugar da auscultação directa dos agentes envolvidos. Foi privilegiada a recolha de informação em tribunais, estudando casos julgados ou em julgamento relacionados com o tráfico, e a realização de entrevistas a representantes de instituições governamentais e não governamentais com acção no domínio da imigração. Apesar das dificuldades de natureza conceptual e metodológica, foi recolhida uma vasta evidência empírica sobre o tráfico de migrantes em Portugal. Os resultados abrangeram, sobretudo, os modos de organização e operação das redes de tráfico e, em menor grau, a caracterização das vítimas. No que respeita ao tipo de movimentos, foi estudado, em primeiro lugar, o tráfico de mão-deobra – uma situação que vimos oscilar entre formas mais simples de “contrabando” de migrantes, ou auxílio à imigração ilegal, e formas mais violentas de exploração. Foram sobretudo as vagas mais recentes de imigração económica para Portugal que se viram envolvidas em situações deste tipo. Foi o caso do fluxo de imigrantes de Leste que acedeu a Portugal a partir de finais dos anos 90 e, em menor grau, o de brasileiros inseridos na “segunda vaga” desta imigração. Comparando as características das redes de tráfico ligadas à imigração de Leste e à brasileira, concluímos pela sua grande diferença, tanto em número como no tipo de operação. Por um lado, as redes da Europa de Leste são geralmente mais organizadas, apresentando níveis hierárquicos formais e divisão de tarefas entre os seus membros. Para além do auxílio à imigração ilegal, elas procuram muitas vezes a exploração e recorrem à prática de coacção e violência. Em muitos casos, trata-se de redes de “tráfico” em sentido estrito. Por outro lado, as redes brasileiras (e algumas de Leste) são habitualmente menos organizadas, apresentando estruturas informais e reunindo um mais escasso número de membros. Elas actuam sobretudo no auxílio à imigração ilegal, não recorrendo a uma exploração continuada nem à prática de violência. São típicas redes de “contrabando” de migrantes. O facto de a imigração da Europa de Leste ser inédita no país, enquanto os brasileiros apresentam maior presença e proximidade cultural, explica algumas diferenças, dado o muito diferente nível de integração dos migrantes após a chegada. Em segundo lugar, apurou-se informação sobre o tráfico de mulheres destinadas a exploração sexual. Coube neste âmbito, sobretudo, a imigração de mulheres brasileiras e, em menor grau, a de mulheres do Leste europeu. Ambos os fluxos aumentaram a partir do final dos anos 90, acompanhando as novas vagas de imigração e a diversificação das actividades económicas ligadas ao sexo em todo o país – bares de alterne, casas de strip-tease, etc.. Porém, os números absolutos de mulheres envolvidas nestes fluxos são desconhecidos. No caso brasileiro, a estrutura das redes de tráfico parece ser, em geral, bastante informal e flexível. Surgiram muitas pequenas redes na pesquisa, constituídas por proprietários isolados de bares e de outros locais relacionados com o negócio do sexo e alguns poucos contactos no Brasil. Esta evidência não exclui a existência de redes mais densas e organizadas, que se sabe existirem no Brasil e em vários países europeus de destino. No caso da Europa de Leste, a evidência recolhida no projecto indica que o tráfico de mulheres parece ser sobretudo um subproduto de outras formas de tráfico, relativas à imigração de trabalho mais geral. Os aspectos políticos e jurídicos do tráfico foram ainda objecto de tratamento neste projecto. Foram, assim, identificadas as principais necessidades de actuação política e jurídica existentes em Portugal nesta área, bem como apresentadas algumas recomendações concretas.
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