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“E se nós fossemos todos cegos?”
Em ensaio sobre a cegueira(1995), romance de José Saramago, partimos exatamente desta premissa: E se nós fossemos todos cegos? O texto começa por descrever o primeiro caso de cegueira, num homem, que o autor intitula “primeiro cego”. Estava, então, o senhor no seu carro, à espera do sinal verde do semáforo, quando de repente fica cego. Mas é uma cegueira diferente, é branca, ao contrário da que conhecemos, que é escura. Outro detalhe importante: O indivíduo não apresenta qualquer lesão nos olhos, parecendo, por isso, que está tudo bem.
Esta cegueira, que o primeiro cego experiencia, e que mais tarde toda a população também a terá, é metafórica - aspeto essencial para o entendimento do texto. Aliás, toda a obra é uma alegoria. Uma alegoria à maldade de que o ser humano é capaz, do nosso egoísmo, da nossa indiferença com o sofrimento do outro. Esta crueldade vai ser retratada ao longo do texto. Os cegos que, ao longo da obra, vão fazendo coisas terríveis, somos nós. Sim, nós já estamos todos cegos, e Saramago vai mostrar-nos os problemas de estar numa sociedade só de cegos, pedindo para nós enxergarmos, e mudarmos o rumo da nossa sociedade. A frase que abre o livro, sugere exatamente isso: “Se podes olhar vê, se podes ver repara”. É com este pedido que percebemos que o texto é metafórico, e é um apelo à mudança, para tomarmos consciência da nossa maldade e mudarmos.
Crueldade que na obra, não vai ser só praticada por “cegos físicos”, mas também por pessoas que vendo, não veem - ideia explorada no final do livro. Estou a referir-me à pessoa que leva o cego a casa, e que chegando a casa, roubou o carro ao primeiro - “o ladrão do carro”. Esta personagem, a que a cegueira também lhe chega, serve para explicar o significado do primeiro cego na alegoria. Na minha interpretação, o primeiro cego, simboliza como nós, mesmo não sendo todos maldosos, falhamos em ver o mal dos outros, estando assim de certa forma cegos. Continuamos assim a eleger governos corruptos, que promovem o ódio e a desigualdade. Somos uma espécie conformista, que aceita como vivemos e Saramago vai criticar isso, sendo assim outro significado da cegueira, o facto de não vermos, ou simplesmente aceitarmos o podre da nossa sociedade. O ladrão também vai servir para mostrar o nosso lado egoísta e aproveitador. Mas o autor, sendo crítico da ação do ladrão, pede para não nos limitarmos a apontar o dedo e dizer que aquilo é errado, mas para olharmos para o nosso umbigo e para ganharmos consciência das nossas próprias atitudes egoístas e aproveitadoras. Esta reflexão, nas palavras de Saramago: “No fim das contas, estas ou outras, não é assim tão grande a diferença entre ajudar um cego para depois o roubar e cuidar de uma velhice caduca e tatibitate com o olho posto na herança”.
O cego encontra-se em casa, quando a mulher dele chega do trabalho. Muito preocupada, esta liga de imediato para a clínica de oftalmologia, onde agenda consulta. O casal vai então para o consultório, não no seu automóvel - este roubado - mas sim de táxi. Na clínica de oftalmologia, são-nos apresentados personagens que serão importantes na história: A rapariga de óculos escuros, o rapazinho estrábico, o velho da venda e o médico. Quando o médico conhece finalmente o primeiro cego, fica intrigado com o caso, constatando algo que nunca tinha visto antes. Analisou os olhos do primeiro cego, viu que o homem não apresentava lesões nos olhos e que apesar disso estava cego, com aquela cegueira branca. E isto tem um forte significado, como aquele que aparenta ter tudo em ordem, pode efetivamente estar cego, sendo a cegueira como sabemos metafórica.
Terminada a consulta, onde o médico não conseguiu dar resposta à pergunta da causa e da sua cura, os personagens do consultório foram para casa. É neste momento que o autor aproveita para dar detalhes da personagem da clínica, que mais simpatiza. A rapariga de óculos escuros. O autor diz-nos que é uma mulher jovem e bonita, que exerce a profissão de prostituta. Mas ela tem sentimentos, um coração, e Saramago mostra-nos isso. Também ela cega, no exercício da profissão, mas o autor não deixa de ter um carinho especial por esta personagem. Talvez pelo facto da profissão que pratica, que é tão mal vista pela sociedade. A rapariga dos óculos escuros, serve para mostrar um aspeto da nossa sociedade, o facto de sermos rápidos a julgar certas coisas, como neste caso a profissão da rapariga, e noutros casos aceitamos, como viver num mundo cruel. Que estranhos que somos!
O médico chega então a casa e conta o que experienciou à mulher, personagem de grande importância. O médico, depois do jantar, passa a noite a tentar entender a cegueira. Procura em livros e tudo o que tem em casa, mas nada descobre. Ora, sendo a obra metafórica, é óbvio que isto tem um significado. O médico e o seu fracasso fazem-nos refletir nestes aspetos: Qual o papel e importância da ciência num mundo de cegos? Como a ciência nos pode ajudar a resolver a cegueira? E a resposta está aos nossos olhos. A ciência num mundo de desgraças, desigualdades, crueldade, injustiças, egoístas, não pode fazer nada. Aliás, o próprio médico ao ir dormir acorda cego, podendo ser assim interpretado, que o autor acha a própria ciência cega. Ou se calhar, é o ser humano que não a usa corretamente. Usamo-na para guerras e muito do progresso científico positivo, não chega a todas as partes do globo, nem a todas as classes. E isso tem de mudar! O médico acorda então cego e conta à mulher.
Depois entra em contacto com o chefe da clínica, explicando que já é o segundo caso de cegueira. A partir do chefe da clínica, o governo toma conhecimento, e tem a “brilhante” ideia de pôr os cegos, num manicómio, achando que a cegueira se transmitia. A mulher do médico, quando chegam os responsáveis de levar o marido ao manicómio, decide dizer que está cega mesmo não estando.
Esta decisão, vai se revelar de extrema importância, no manicómio que se vai tornar um caos. Neste sítio, vão ser cometidas as maiores atrocidades que se pode pensar. Vai haver violência, péssimas condições e atitudes por parte de um grupo de cegos, os cegos malvados, completamente repugnantes. Os guardas do manicómio, sob ordens do governo, vão também fazer atos horríveis. Para além de deixarem os cegos, em condições desumanas, com falta de comida e pouca higiene, vão matar quando se sentem ameaçados, isto é, com medo de ficarem cegos, provocando assim o medo no manicómio.
No meio de todo este terror, que o autor faz questão de descrever até ao último detalhe, com o propósito de chocar, e apelar à mudança, vai haver uma pessoa que vê. A mulher do médico, sendo a única que vê o terror, vai guiar os cegos - em especial as personagens mencionadas anteriormente - e vai evitar a sua autodestruição. Ela vai representar a esperança de viver num mundo melhor, onde a espécie humana seja mais humana. A mulher do médico não é egoísta e preocupa-se com o outro, ajuda e é empática, o que sejamos francos, falta ao ser humano. É por haver pessoas como ela, que ainda podemos ter esperança no mundo, mas são poucas as pessoas que veem, o quão desagradável é o nosso planeta. Como são poucas as pessoas que veem, no livro, somente uma, é natural que o mundo vire praticamente espelho do horror do manicómio. É por isso o manicómio um espelho do nosso mundo e a mulher do médico quem nos quer guiar para um mundo melhor. Todos nós temos de ver o mal do nosso mundo e tentar melhorá-lo. Todos nós devemos ser como a mulher do médico. Por sinal a única que compreendeu o motivo da epidemia: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que vendo, não veem. ”. Conclusão que teve no final do livro, já fora do manicómio, e com todos a recuperar a visão. À resposta da pergunta inicial - E se fossemos todos cegos?- Temos a resposta: Já estamos todos cegos. Os malefícios, vemo-los no livro e no mundo em que vivemos; cabe-nos VER e mudar.

eu estou totalmente embasbacada??!!!! não há palavras possíveis para descrever a beleza singela, a crueldade sagaz e a humanidade exposta nesse livro. ainda estou tentando processar tudo o que eu li nessa obra.
quando eu o peguei para ler, não imaginava o tanto que eu iria sentir com cada página. acompanhar essa história foi uma das coisas mais selvagens que eu fiz na minha vida, e eu sei que ainda vou pensar bastante sobre esse livro pelo restante da minha vida.
a mulher do médico </3 simplesmente incrível. saramago sabia muito bem o que estava fazendo nesse livro, e ele orquestrou tudo de um jeito único que invade até os mais frios dos corações. que livro magnífico, de verdade.

De uma forma tão crua e empolgante como só Saramago sabe expor, somos conduzidos pelo imaginário de uma situação aparente improvável. Mas não será isto mesmo que vivemos na nossa sociedade? Uma cegueira colectiva contagiosa, repleta de regras de sobrevivência animalescas criticáveis? Um ensaio repleto de crítica, ironias e metáforas, carnal e grotesco, que questiona aquilo a que chamamos humanidade. (Não foi esta a pandemia que recentemente nos atordoou, mas terá sido assim tão diferente a nossa postura perante ela?)

A minha vontade é viajar no tempo, e bater na Joana que tinha medo de pegar neste livro. Que história magnífica. Este livro devorou-me, tanto que, quando não o estava a ler, estava a pensar na história e no que estaria ainda por acontecer. Mais uma prova do lugar especial que Saramago ocupa neste coraçãozinho.

Os "Ensaios" de Saramago, apesar de serem apenas dois em título, são pelo menos três, se não mais. Temos este primeiro “Ensaio da Cegueira” (1995) e o segundo, “Ensaio da Lucidez” (2004) aos quais podemos juntar “As Intermitências da Morte” (2005), que formam uma espécie de trilogia fantástico-experimental de crítica social. É verdade que os dois Ensaios, em título, se referem mais concretamente à crítica política, e existe uma declarada ligação entre ambos, mas em termos estruturais e de abordagem parabólica, “Intermitências…” segue em toda a linha, e surge mesmo como uma espécie de derradeiro grito do autor. Primeiro ficaram sem visão, para poderem começar a ver. Depois ficaram sem governo, para se tornarem conscientes do que são. Por fim, ficaram sem morte, para compreenderem que o mundo não acaba só porque morremos. Em cada um destes ensaios, Saramago lança um mote colectivo, uma altercação de fundo social, e depois senta-se a imaginar e a brincar com os seus potenciais efeitos, entregando-nos no final o resultado na forma de livro. Dos três, este primeiro é sem dúvida o mais elaborado, não apenas pela estrutura e premissa fortes, mas pelo rasgo da escrita, direta e simples, mas imensamente profunda. Do que já li seu, só consegui encontrar descrições com esta intensidade no “Memorial do Convento”. Foram vários os momentos de grande visceralidade, diga-se que pouco atenuados pelo filme que tinha visto há alguns anos, sendo que para mim o momento mais marcante, tendo-me tocado a pele, aconteceu quando as três mulheres se lavavam na varanda do prédio com água da chuva. Que cena magnificente, depois de tudo o que aqueles corpos tinham sofrido, a água caída do céu, parecia cair tal qual um ato de total purificação. Por outro lado, julgo que em parte por Saramago ter ousado levar o horror tão longe, criou um thriller denso e sufocante. As constantes ações novas a exigir a nossa atenção, a chamar-nos para continuar a ler, com o suspense contínuo, preso a cada a linha, fazendo-nos sentir mal, sempre que não podemos pegar no livro e ler, ler. Numa entrevista Saramago disse: "Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." Tudo verdade. Se é o seu livro mais citado, não deve nada ao filme, a sua força é tremenda.

** spoiler alert ** "o único milagre que podemos fazer será o de continuar a viver, disse a mulher, amparar a fragilidade da vida um dia após outro dia"

Opinião no meu blog

Extraordinary.

It's a really good book tho the story stagnates around the end and the writing style is for me something I'm not a fan of

(4.25) Soube bem ler este livro com o seu tempo. Cada parte precisava de algum tempo para interiorizar o que se tinha passado e pensar um pouco mais em tudo o que aquilo significaria. Este livro tem frases mesmo bonitas e é engraçado o poder dos provérbios. A escrita de Saramago custa o primeiro capítulo e depois flui como se fosse natural. Foi, na verdade, muito fácil de a compreender e perceber os diálogos e o que estava a acontecer.

Ensaio Sobre a Cegueira is translated into English if you would like to read it but you don't speak Portuguese. I think there is also an English movie about the book! Both named "Blindness". I have read a couple of José Saramago's works and this one I wouldn't say is one of my favorites. Unfortunately is the only one that I own. The story is about this epidemic (very fitting for the times we live in now) called white blindness where basically everyone starts going completely blind, but blindness is where you are always seeing white. We follow a strange set of characters through all of the plagues and we get to see how the city and authorities take action to fight this disease. A very disturbing read! I really found it intriguing and I enjoyed the overall plot but I can't say it was one of my favorite books and I think it's was a little bit too shocking for my taste. But if you don't mind that kind of thing I recommend you give this a try!












