Rumor de mar: temas da poesia de Sophia
Poetas, pintores, escultores, na Antiguidade, familiarizados com mitos antigos de deuses e de homens, que cristalizavam experiências, interrogações, respostas quanto à existência do homem no tempo e no mundo, neles se inspiraram, em contínua criação-recriação para neles verterem a sua própria experiência temporal, com todos os desassossegos e inquietações, com todo o espanto, horror ou encantamento pela excepcionalidade da acção humana, que rasga ou ilumina fronteiras de finitude. Este é um património que constitui a linguagem cultural do que somos, que, ao longo dos séculos, criou laços de pertença, sentida, com as matrizes do Ocidente e que se foi enriquecendo nas sucessivas apropriações recriadoras em que o ‘novo’ incessantemente está presente, dada a inesgotabilidade da própria vivência humana, correspondente à riqueza e diversidade que a caracterizam e que caracterizam a diversidade e diferenciação de cada época, de cada espaço cultural desse mesmo Ocidente. O mito, no seu sentido etimológico, continua a oferecer-se como espaço de cristalização de vivências temporais novas e espaço de encontro com antigas vivências, diversas e porventura afins. Esta consciência, como é sabido, é problematizada por filósofos e tem operado como motor de criação quanto à poiesis de todos os tempos, até hoje, configurando, inclusivamente, enquanto mythos, momentos da História Antiga ou espaços de memória. Esses percursos da criação merecem, hoje, a atenção e estudo dos Estudos Literários e, como não podia deixar de ser, dos Estudos Clássicos, muito peculiarmente. Com o dealbar dos anos cinquenta do séc. XX foram publicados os primeiros trabalhos de investigação, nesta área, dos que viriam, então, a ser fundadores, em 1967, do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos. Fundado o Centro, já tal área de estudos, por ele integrada, constituía uma tradição – traditio laureata, inclusivamente – no seio dos seus primeiros investigadores. E de moto continuo ela veio sendo alargada e consolidada, em inúmeras publicações que constituem volumes temáticos, várias vezes reeditados, artigos, colaborações de contributo em actas de congressos, em Portugal ou no estrangeiro, bem como em seminários de 2º e 3º ciclo e no número substancial de dissertações a que já deu origem (algumas delas já publicadas). A partir dessa face do Centro veio a consolidar-se o diálogo e interacção com poetas, dramaturgos, encenadores, cineastas; a partir dessa face se veio o Centro a integrar, por convite, na Network research on Greek Drama (Atenas-Oxford), com resultados já publicados em volumes. Importava, pois, fazendo jus a tal tradição de mais de meio século, proceder à publicação sistemática de estudos deste cariz, dedicados, sobretudo, a autores de língua portuguesa, reeditando ou reunindo o que andava disperso e acrescentando-lhe a incessante nova produção ensaística. Assim se inaugura a linha editorial do CECH/ Classica Digitalia, MITO E (RE)ESCRITA. Poets, painters and sculptors of Antiquity, found inspiration in the familiar myths of gods and men, which crystallized experiences, questions, responses to man’s existence in time and in the world. In this constant process of creation and recreation, they endowed them with their own temporal experience, with the restlessness and anxieties, with the awe, horror or enchantment and with the exceptionality of human action which tears open or illuminates the boundaries of the finite. This is the heritage that formed our cultural language, and which over the centuries forged firm connections with the matrices of the west, gradually enriched by successive appropriations and recreations in which the ‘new’ is always present, given the inexhaustibility of human experience, corresponding to the wealth and diversity that characterize and differentiate each period, each cultural space in the western world. Myth, in its etymological sense, continues to offer itself as a space for the crystallization of new temporal experiences and for an encounter with older, diverse but nevertheless similar experiences. This consciousness, oft problematized by philosophers, has operated as an engine of creation, for poiesis in all ages, mythically configuring moments of Ancient History or spaces of memory. These creative trajectories today deserve attention and study within Literary Studies, and, of course within Classical Studies in particular. The first research was published in this area in the 1950s by those who would go on to found the Centre for Classical and Humanistic Studies in 1967. The area of studies covered by this centre constituted a tradition – an award-winning tradition amongst its first researchers. And it has gradually expanded and consolidated with numerous publications: thematic volumes, several times re-edited; articles; collaborations in conference proceedings, in Portugal and abroad; postgraduate seminars, and dissertations (some of which have been published). The Centre has also fostered dialogue and interactions with poets, playwrights, theatre directors and film directors. It has also been invited to participate in the Greek Drama Research Network (Athens-Oxford), with results already published in several volumes. Thus, in order to do justice to this tradition over a half a century long, it is important to systematically publish studies in this field, dedicated particularly to authors in Portuguese, re-publishing or bringing together what has been dispersed and adding to that with new essayistic production. It is in this spirit that the series CECH/ Classica Digitalia, MITO E (RE)ESCRITA (“Myth and (re)-writing”) is inaugurated.