![O sol nasce sempre (fiesta) [The Sun Also Rises]](https://assets.literal.club/1/ckpo370vj5236071h9g7g24ev9m.jpg?size=600)
O sol nasce sempre (fiesta) [The Sun Also Rises]
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Não é fácil apreciar “O Sol Nasce Sempre (Fiesta)” porque a sua relevância reside debaixo de uma superfície de enormíssima simplicidade, obrigando o leitor a uma reflexão que parece não ter ali lugar. Ou seja, enquanto objecto narrativo, a história de Hemingway parece limitar-se à descrição de um bando de amigos, ex-patriados dos EUA e Inglaterra, vivendo em Paris, que vai à festa de San Fermin em Pamplona (festa de 7 dias com corridas diárias de touros nas ruas). O relato dessa viagem é esparso e sintético, apesar do poder emotivo que conhecemos dessa “fiesta”, nunca vemos emergir no discurso sentimentos ou emoções, ou seja descrições que nos toldem a razão e nos façam sentir a pena de Hemingway, sendo exactamente daqui que advém a marca elaborada da sua escrita. Hemingway, tal como Mark Twain, vieram do jornalismo, trazendo com eles ferramentas estranhas à literatura, nomeadamente a simplicidade e naturalidade discursiva, decorrentes de uma fuga ao formal em direcção ao coloquial. Daqui Hemingway procura afirmar a sua abordagem estilística, mais ainda por se encontrar num período fervilhante de ideias, o modernismo, como tal acaba por optar por elevar o poder da simplicidade. Hemingway catalogaria mesmo essa forma de “teoria do iceberg”, ou teoria da omissão, na qual define a omissão de eventos ou contextos, como a base para instigar a imaginação mais profunda do leitor. Assim podemos dizer que Hemingway foi um dos primeiros minimalistas, socorrendo-se dos princípios da Gestalt, para fazer o leitor trabalhar para a completude dos elementos em falta. O nosso aparelho cognitivo é incapaz de não completar mentalmente padrões abertos que se encontrem à sua frente, sejam visuais ou narrativos, temos uma necessidade absoluta de tudo fechar, de a tudo dar sentido, por isso quando nos apresentam uma história com final aberto, trabalhamos que nem loucos para lhe dar um final no interior da nossa imaginação. Desta forma, o que Hemingway faz é socorrer-se desta nossa particularidade para nos colocar a trabalhar para definirmos quem são aqueles personagens, o que emana daqueles espaços, o que querem dizer aquelas viagens, o que significam as relações entre cada um daqueles personagens. Claro que não o faz ingenuamente, lança-nos pistas ao longo de todo o livro para podermos ir formando mentalmente o universo ficcional em questão. O livro não se dá com o fecho da última página, vai-se abrindo aos poucos dentro de nós à medida que o tempo permite que cada um daqueles eventos, personagens e objectos assentem no nosso imaginário. Neste sentido, “O Sol Nasce Sempre (Fiesta)” acaba por fazer emergir, a partir de um relato de um evento de grande júbilo humano, a fiesta das corridas de touros, descrita numa superfície de aparente normalidade e banalidade, uma enorme melancolia. O sol nasce todos os dias, mas a nós resta-nos batalhar para o conseguir continuar a enfrentar todos esses dias.