O sol nasce sempre (fiesta) [The Sun Also Rises]

O sol nasce sempre (fiesta) [The Sun Also Rises]

O enredo de O Sol Nasce Sempre (Fiesta) decorre na Europa após o termo da Primeira Guerra Mundial. Se exceptuarmos o toureiro Pedro Romero, todos os seus outros personagens principais se expatriaram dos Estados Unidos da América ou da Grã-Bretanha. E todos eles, quer tivessem vindo em busca de aventura ou de algo indefinido com que preencher o vazio das suas vidas, tinham acabado por instalar-se em Paris. Esta celebrizara-se, nos anos 20, graças à boémia esfuziante dos seus cafés e da sua intelectualidade. Aí se podiam, com efeito, encontrar pintores como Picasso, Miró ou Matisse, ou mulheres como a americana Gertrude Stein, que criara uma tertúlia onde diversos artistas plásticos ou escritores como James Joyce, F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway se juntavam para trocar ideias. Mas se Paris garantia assim a todos uma vida interessante, a verdade é que muitos a sentiam também como vazia. De modo que, à semelhança aliás do que acontecera a Hemingway e a alguns dos seus amigos, um certo número de personagens deste romance pretenderão escapar à sofisticação e à corrupção da grande cidade, refugiando-se no universo mais tradicional da Espanha daqueles anos. E porque muitos se reconheceram neste retrato de uma geração sem raízes, O Sol Nasce Sempre (Fiesta) tornou-se rapidamente um romance de culto para os jovens europeus do período de entre as duas guerras.
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Reviews

Photo of Nelson Zagalo
Nelson Zagalo@nzagalo
4 stars
Sep 3, 2022

Não é fácil apreciar “O Sol Nasce Sempre (Fiesta)” porque a sua relevância reside debaixo de uma superfície de enormíssima simplicidade, obrigando o leitor a uma reflexão que parece não ter ali lugar. Ou seja, enquanto objecto narrativo, a história de Hemingway parece limitar-se à descrição de um bando de amigos, ex-patriados dos EUA e Inglaterra, vivendo em Paris, que vai à festa de San Fermin em Pamplona (festa de 7 dias com corridas diárias de touros nas ruas). O relato dessa viagem é esparso e sintético, apesar do poder emotivo que conhecemos dessa “fiesta”, nunca vemos emergir no discurso sentimentos ou emoções, ou seja descrições que nos toldem a razão e nos façam sentir a pena de Hemingway, sendo exactamente daqui que advém a marca elaborada da sua escrita. Hemingway, tal como Mark Twain, vieram do jornalismo, trazendo com eles ferramentas estranhas à literatura, nomeadamente a simplicidade e naturalidade discursiva, decorrentes de uma fuga ao formal em direcção ao coloquial. Daqui Hemingway procura afirmar a sua abordagem estilística, mais ainda por se encontrar num período fervilhante de ideias, o modernismo, como tal acaba por optar por elevar o poder da simplicidade. Hemingway catalogaria mesmo essa forma de “teoria do iceberg”, ou teoria da omissão, na qual define a omissão de eventos ou contextos, como a base para instigar a imaginação mais profunda do leitor. Assim podemos dizer que Hemingway foi um dos primeiros minimalistas, socorrendo-se dos princípios da Gestalt, para fazer o leitor trabalhar para a completude dos elementos em falta. O nosso aparelho cognitivo é incapaz de não completar mentalmente padrões abertos que se encontrem à sua frente, sejam visuais ou narrativos, temos uma necessidade absoluta de tudo fechar, de a tudo dar sentido, por isso quando nos apresentam uma história com final aberto, trabalhamos que nem loucos para lhe dar um final no interior da nossa imaginação. Desta forma, o que Hemingway faz é socorrer-se desta nossa particularidade para nos colocar a trabalhar para definirmos quem são aqueles personagens, o que emana daqueles espaços, o que querem dizer aquelas viagens, o que significam as relações entre cada um daqueles personagens. Claro que não o faz ingenuamente, lança-nos pistas ao longo de todo o livro para podermos ir formando mentalmente o universo ficcional em questão. O livro não se dá com o fecho da última página, vai-se abrindo aos poucos dentro de nós à medida que o tempo permite que cada um daqueles eventos, personagens e objectos assentem no nosso imaginário. Neste sentido, “O Sol Nasce Sempre (Fiesta)” acaba por fazer emergir, a partir de um relato de um evento de grande júbilo humano, a fiesta das corridas de touros, descrita numa superfície de aparente normalidade e banalidade, uma enorme melancolia. O sol nasce todos os dias, mas a nós resta-nos batalhar para o conseguir continuar a enfrentar todos esses dias.