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“Mataram a Cotovia” é um clássico da literatura, escrito em 1960 por Harper Lee, colega de infância de Truman Capote, sendo este o seu único livro publicado até à data. Espera-se este mês, ao fim de 55 anos, o seu segundo romance. Todo o clássico encerra mais do que aquilo que nos é dado a sorver à sua superfície, seja na história que nos conta, seja no modo como usa o texto para nos contar, embora o clássico, para o ser, precise de se distinguir em toda a sua plenitude, e este é um desses clássicos. Começando pela ideia que Harper Lee desejava expressar, a história criada para a fazer passar. O livro é pequeno, mas é o suficiente para entrançar e tratar múltiplos temas, não apenas complexos, como imensamente pesados, tais como o racismo, o incesto, a violação e o alcoolismo por um lado, e no seu contra-peso, a inocência e a dignidade. Todos estes temas são tratados de forma imensamente subtil, por vezes quase nos deixando na dúvida, se ela está mesmo a dizer, o que está a dizer. Tudo assuntos que toda a criança precisa de esgrimir consigo própria, e que qualquer adulto tem dificuldade em abordar e tratar, e também porque não basta falar, é preciso exemplificar, e é preciso ir trabalhando no tempo. Ter um livro que o faz desta forma, tão subtil mas ao mesmo tempo tão directa, numa linguagem das próprias crianças e por meio de uma história que as envolve, conseguindo assim desenvolver o interesse na compreensão dos porquês, é algo que só a arte pode oferecer, e por isso mesmo não admira que a obra seja de leitura obrigatória nas escolas anglo-saxónicas há décadas. Sinto que nos falta, em português, algo a este nível, não porque não se possa ler esta obra por cá, mas para além de distar no tempo, dista também geograficamente, decorrendo num lugar pitoresco do sul dos EUA, envolvendo toda uma cultura muito particular. Sobre a forma, ou o modo como Lee conta a sua história, podemos começar por dizer desde logo que os vários episódios do seu relato, apesar de se apartarem no tempo e espaço, estão tão bem cozidos que em momento algum sentimos a transição entres eles. Lee constrói uma malha de eventos tão clara e credível, com personagens tão sólidos e empáticos, que nos vão atraindo para junto de si, fazendo com que cada evento não seja um momento, mas antes façam parte de um fluxo de realidade, para o qual fomos totalmente transportámos. Claro que tudo isto é imensamente suportado pela característica mais saliente da obra, a voz do narrador, que é servida sempre na primeira-pessoa, por uma mesma pessoa, mas em idades distintas, desde menina (6 anos) até à idade adulta. A menina vivendo o presente que se relata, fala com a linguagem da sua idade, e assume os olhos da inocência, a adulta, que recorda o passado, perscruta as diferentes camadas de significado de cada um desses eventos, desvelando-lhes as múltiplas e complexas intenções humanas. E é deste choque entre as diferentes capacidades de interpretação, fruto das diferentes idades, que emergem os momentos mais belos do livro, tornando a obra num clássico obrigatório. (Também no blog: http://virtual-illusion.blogspot.pt/2...)

Juro que não foi de propósito nem sequer programado. Mas a verdade é que combinei com uma amiga iniciar a leitura deste livro num determinado dia e fomos, ambas, surpreendidas, com a notícia da morte da autora no mesmo dia. (assim num pequeno aparte, li pouco tempo antes tinha acabdo de ler o livro Confissões de um Jovem Escritor de Umberto Eco, falecido no mesmo dia o que me levou a pensar em ler livros apenas de autores já mortos não fosse ser alguma maldição desconhecida). Jean Louise "Scout" Finch é a narradora, uma criança que nos mostra, ao longo de três anos, como se vivia em Maycomb (no Alabama), na altura da Grande Depressão e numa sociedade conservadora, preconceitosa e racista - mas que se afirmava exactamente ao contrário. Scout é filha de Atticus, um conceituado advogado que quer que os seus filhos pensem por si próprios, tirando as suas conclusões dos factos e não que tomem, como suas, as ideias dos outros. É com o pai que Scout e o seu irmão Jem aprendem que: Em primeiro lugar (...) se tu conseguires aprender uma coisa bastante simples, vais ver que te darás melhor com todo o tipo de pessoas. Nunca conseguirás compreender totalmente uma pessoa se não vires as coisas do seu ponto de vista (...) se não fores capaz de te colocar na pele dessa pessoa e aí permaneceres um bocado. Pelas recordações de Scout viajamos pelas férias de verão, pelos primeiros dias de aulas, pelas noites de Halloween mas também pela imaginação própria das crianças, até que chega a altura do julgamento de Tom, um negro acusado injustamente de ter violado uma mulher branca. Assistimos ao julgamento e, com Scout, duvidamos da justiça dos brancos que acaba por condenar Tom apesar das provas o ilibarem. É um livro interessante, de leitura muito agradável e com momentos que nos fazem sorrir. No entanto (e venham de lá as farpas), e apesar de ter adorado o livro, tenho de dizer que, quando o acabei, pensei - era só isto? Creio que o problema foi o de estar com as expectativas bastante elevadas. Um livro que todos (ou quase todos, vá, que sei que há mais quem tenha pensado como eu) adoram, que ganhou imensos prémios e que foi considerado o melhor romance do século XX... esperava mais, confesso. Ainda assim creio que deve ser lido por todos e é um livro que recomendo vivamente.












