
Pais e filhos
Reviews

Um romance que teve impacto no seu tempo, relevante no abrir de novos ideais e horizontes intelectuais, mas que hoje pouco diz. Não que o que diz e quando o disse não continue a ser relevante de uma perspectiva histórica, mas antes porque enquanto romance é meramente mediano. Este pode até ser o melhor do legado de Turgenev, mas se o é, e se ainda é recordado, apenas às ideias que defendia o deve, tendo este usado o romance como mero envelope, já que pouco mais podemos aproveitar desta leitura. A obra “Pais e Filhos” ficou na história por ser uma dos primeiras, se não a primeira, a apresentar a corrente de pensamento do niilismo, corrente que mais tarde viria a ser elaborada por Nietzsche. “Niilista é um homem que não se curva perante nenhuma autoridade, que não tem fé em nenhum princípio sem provas, seja qual for o respeito que rodeia esse princípio…” p.29 O que Turgenev faz com este trabalho é definir, por meio da representação, o conceito. Para isso socorre-se do choque entre gerações, pais e filhos, servindo os pais no papel de conservadores, defensores das regras e princípios, e os filhos como questionadores de todo esse status quo. Dos segundos, Bazárov serve no papel de mentor, estando a seu cargo, encarnar e dar o exemplo dos valores niilistas. O livro é pequeno, e as ideias centrais são apenas trabalhadas em detalhe em dois momentos distintos: no início quando se dá o primeiro confronto geracional entre Pavel e Bazárov; e mais tarde quando Bazárov reflecte sobre o seu ser. Assim no primeiro momento, o niilismo é questionado sobre o seu propósito, e mais sobre o modo como pretende dar conta da realidade, a que Bazárov responde, “Actuamos em razão daquilo que consideramos útil (..) Nos tempos actuais, o mais útil de tudo é a negação: nós negamos (..) Tudo (..) Primeiro é preciso desentulhar o terreno (..) destruir” p. 58-61 No segundo momento leva o niilismo até às suas últimas consequências, questionando o próprio sentido do ser: "O estreito espaço que ocupo é tão minúsculo em comparação com o restante espaço, onde eu não estou e onde nada tenho que fazer; e a porção de tempo que tenho para viver é tão insignificante comparada com a eternidade, em que não estive e não estarei... E neste átomo, neste ponto matemático, o sangue circula, o cérebro funciona, e também deseja qualquer coisa... Que absurdo! Que futilidades!” p.139 Por fim, resta-me criticar fortemente esta edição da Relógio d’Água, editora que muito prezo mas que aqui falha retumbantemente. O livro de Turgenev vem acompanhado com um ensaio de Nabokov. Sendo um ensaio académico de análise da obra, não se priva de falar em detalhe sobre a trama do romance, como tal, e muito bem, a editora colocou o texto no final do livro, como Posfácio. O problema surge depois no texto da contra-capa, aquilo que qualquer leitor primeiro lê, e que aqui no Goodreads serve de sinopse ao livro. O texto aí colocado, é o primeiro parágrafo do ensaio de Nabokov, que serve de certo modo para dar conta da relevância do trabalho de Turgenev, mas que me parece ter sido ali colado sem reflexão, por mera acção de copy/paste. Isto porque neste simples parágrafo dá-se conta do desenlace do romance, rompendo com toda a carga emocional que Turgenev tão cuidadosamente constrói ao longo das 200 páginas. Deste modo resta-me apelar para que não leiam a contra-capa, nem o texto sinopse aqui no Goodreads, ignorem, e pedir à RA que numa próxima edição reveja esta situação.

